quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Estação Mendonça: Valete, a voz do Rap português - Publicado no CHH em 15/11/09

Qualquer adjetivo é pouco para descrever o rapper português Valete, um dos maiores nomes do canto falado e autor de sucessos como “Anti-herói”, “Monogamia”, entre outros. Valete é mais um passageiro que embarca na Estação Mendonça, onde fala sobre a sua carreira, a influência política e muito mais.

Central Hip-Hop (CHH): Valete, quais são suas influências musicais e qual a sua influência política?
Valete: Eu cresci ouvindo rappers americanos como Run DMC, Public Enemy, fui também influenciado por Rap brasileiro, principalmente aquele que chagava aqui em Portugal no início dos anos 90, que era essencialmente Racionais e Gabriel o Pensador e também pelo primeiros grupos de Rap português a terem mais destaque no inicio dos anos 90, grupos como Black Company e Boss AC. Hoje para mim é muito mais fácil resumir-me apenas como um humanista. Sou alguém que não acredita no indivualismo e que tem sempre uma visão colectiva da justiça e do progresso. Por mais que neguem todos os humanistas e todos os homens de esquerda foram influenciados pelo marxismo assim como eu fui. Mesmo que não sejam marxistas, o marxismo está intrinseco em todas as ideologias de esquerda. E a utopia da sociedade comunista, justa , igualitária e livre, tem que ser o desejo e o motivo para a luta de todos os humanistas.

CHH: Para você, qual a importância da visão político-social no Hip-Hop?
Valete: O Hip-Hop enquanto cultura sempre teve essa visão humanista e progressista. O Hip-Hop sempre apelou à transformaçao da sociedade para algo mais integrador, mais tolerante e mais colectivista. E essa posição política social do Hip-Hop influenciou a mim e a muita gente. Hoje eu e muitos MCs somos mensageiros dessa ideologia Hip-Hop, que está a influenciar muitos manos em todo o mundo. Estamos a criar uma rede enorme e aos poucos estamos a mudar pessoas e comportamentos. O Hip-Hop tem essa vitória de ter conseguido mudar para melhor a vida de muita gente.

CHH: Na música “Anti-Herói” você se refere como um Trotskista Belicista. O fato de estarmos em outro país discutindo isto mostra que temos um grande poder de organização. Você acha que o Hip-Hop pode ser uma grande influência revolucionária mundial?
Valete: Sem duvida, acho que tem sido. Ainda não tem tido grande impacto ao nível da luta no terreno, mais ao nível da conscientização das pessoas o Hip-Hop já tem tido conquistas grandiosas. Primeiro porque tornou-se numa cultura universal e depois porque o Hip-Hop atrai muito a juventude. E os jovens serão sempre a força catapultadora para as grandes mudanças sociais e políticas.

CHH: Uma de suas músicas que mais tocou no Brasil foi o “Fim da Ditadura”. A Era Bush acabou. Como você tem visto a era Obama? Os EUA é menos imperialista agora por que tem um negro na presidência?
Valete: Obama representa simbólicamente, uma disposição dos EUA para mais diplomacia, para maior entendimento do mundo e dos outros, mas a disposição imperialista essa vai manter-se sempre. São raras as superpotências que não têm ambiçoes imperialistas. O poder econômico dos EUA depende muito da supremacia e da opressão que eles fazem a outros países. Um EUA menos imperialista, seria um EUA mais pobre. A mudança para um Presidente ao estilo Obama serviu essencialmente para conter alguma revolta crescente que se manifestava por todo o mundo contra os EUA. A ditadura econômica continuará tranquilamente, até porque essas formas de opressão politica e econômica nem precisam de ser feitas pelo governo americano, podem ser feitas pelo FMI, Banco Mundial, OMC etc que sempre foram sustentáculos da missão imperialista americana.

CHH: Seu álbum mais recente foi "Serviço Público", de 2006. O público pode esperar algo novo em breve? Tem previsão para lançamento?
Valete: Sim, estou a acabar um álbum novo, e que será duplo. O álbum vai se chamar "Homo-Libero" uma expressão do latim que quer dizer "Homem Livre". É um álbum conceitual, que falará muito duma necessária libertação individual e colectiva que precisamos fazer para podermos ser realmente felizes. O sentido da vida é a felicidade. O álbum também é uma sugestão para o próximo estágio da evolução humana, onde passaríamos do Homo Sapiens, para este Homo Libero. Um homem elevado e verdadeiramente emancipado.

CHH: Conte-nos sobre o Gabriel O Pensador. Você tem fotos no estúdio com ele. Foi para seu próximo disco?
Valete: Sim, fizemos uma música mesmo muito bonita. Ficou com uma vibe Portugal-Brasil muito especial mesmo. Era um som que queria mesmo fazer, porque o Gabriel foi dos rappers que eu mais ouvia quando era adolescente. Eu tinha uns 12/ 13 anos e ouvia Pensador e Racionais a toda a hora. Foi uma honra ter feito o som com o mano.

CHH: Valete, com essa onda de download de álbuns e mp3 o Hip-Hop ficou mais difundido e surgiram novos artistas também. Qual sua opinião sobre o uso da Internet, que é utilizada muitas vezes como única forma de mídia para alguns grupos de Rap?
Valete: Por um lado acho que é muito bom, porque faz com que a música circule e se difunda duma forma fantástica e possibilita realmente que os artistas se tornem internacionais sem precisarem de grandes máquinas empresariais. Depois tem um lado nocivo: a massificação da Internet, tem feito com que muita gente deixe de comprar álbuns, e por causa disso muitas gravadoras desapareceram e muitas outras estão a passar por grandes dificuldades. Sem a existência de gravadoras, vamos ter muito menos álbuns gravados, e os artistas mais pobres que não têm condições financeiras para custear um álbum, vão agora ter mais dificuldades do que nunca. Praticamente só artistas com uma boa capacidade financeira é que terão possibilidade de lançar discos. Isso já está a acontecer em Portugal. Aqui hoje a música é cada vez mais uma coisa de classe média e classes abastadas, os pobres têm mesmo extremas dificuldades para lançar albuns ou seguir carreiras musicais.

CHH: Valete, a sessão Estação Mendonça tem este espaço onde o artista que passa por aqui deixa seu recado, sinta-se a vontade para dizer aquilo que não disse até agora, ou que talvez nunca tenha dito em uma música.



Valete: É algo mais pessoal: quando lançar o meu álbum novo, vou também iniciar um caminho de unificação da "lusofonia" através do Rap. Acredito muito nesse caminho e gostaria que todos participassem.


Visite o Myspace do rapper Valete - www.myspace.com/valete115

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