Central Hip-Hop (CHH): São quase 20 anos de estrada, claro que muita coisa mudou. Quais as principais diferenças entre o Hip-Hop de 1991 e o de hoje?
Ugli C.I: Eu faço questão de dizer que soul da época do Racionais, do R..P.W, do Comando DMC, do Doctor MCs, do M.T. Bronks, do Face Negra, do Geração Rap, do MC Jack, do Código 13, do Thaide e DJ Hum, do Duck Jam & Nação Hip-Hop, do Baseado Nas Ruas, do DMN, do Vitima Fatal, do Consciência Humana, Do SP Funk, do DefPool, do Nelson Triunfo, do Stylo Selvagem, do Negros Reais, do Balanço Negro, do Rap Sensation, do Blacks In The Hood, do Black Panthers, do Produto Da Rua, do Cambio Negro, do Facção Central, do Face Da Morte, do Pavilhão 9, do G.O.G, do Potencial 3, do Radicais Do Peso, entre outros que, graças a Deus, foram importantes pra que eu formasse minha personalidade, isso me deixa feliz. Eu vou falar do Rap, que é o que eu vivo e é minha verdade dentro do Hip-Hop. A música do Hip-Hop mudou muito de lá prá cá mano. Hoje tudo é letra de Rap, festa, treta, minas, Internet, rolês , etc. Eu acho bom, pois o público tem mais opções. Agora, se você me perguntar se eu vou escrever algo que eu não vivo só aparecer aqui ou ali, eu vou responder: Não. Eu me lembro que no começo dos anos 1990, se você fizesse um som “festinha” já era tirado pelas posses de Rap como comédia.
O Filosofia fazia parte da posse Força Ativa, que se reunia no metrô Santana, havia senso entre nós, tinha o Sindicato Negro, que se reunia na Praça Rooselvet, no centro, tinha a Aliança Negra, que era da leste na Cidade Tiradentes, eu reparava que todos mantinham uma conduta, um compromisso com os assuntos a serem abordados, eu achava isso bem louco, O foco era lutar contra o racismo e exigir direitos iguais entre negros e brancos. Os manos martelavam nessa tecla. As últimas letras que eu vi que seguem esse estilo, presta atenção, que eu vi!!! Não estou afirmando que não existam mais, certo mano, foram “Negro Drama”, do Racionais, e “H.Aço” do DMN. Hoje tem muita gente boa, rimando coisa boa, como o como o MC Marechal, o Emicida, o Slim, o Kamau (que eu conheço de milianos), o Império, do Mano Axé, o Expressão Ativa, do mano MP, o CA.GE.BE, o Inquérito, o Voz Negra, entre outros que rimam coisas boas pra vida das pessoas. Percebo uma diferença monstruosa nas formas de divulgação hoje em dia. Os manos fazem em casa, os manos escrevem, fazem a base, gravam, mixam, vão na Internet e colocam pros irmãos ouvir no mesmo dia. No desbaratino, isso é 1000 grau. É só mirar e apertar o gatilho que é certeiro o tombo (risos), todo mundo fica sabendo de tudo em segundos ou minutos. Eu mesmo, fiquei sabendo quem era o Emicida pela internet, ouvi uns maluquinho comentando no busão e corri pro Youtube (risos). Não podemos ficar fora dessa evolução toda né mano. Se liga aí!
CHH: O Filosofia de Rua está gravando o quinto disco, o que o público pode esperar desse próximo trabalho e quando chega nas ruas? Qual a importância de gravar um álbum inédito depois de tantos anos de carreira?
Ugli C.I: Mano, quando eu fundei o Filosofia de Rua, eu pensei: Um dia, vários manos, de várias quebradas, vão chegar em mim e falar: “Ai, Ugli! Ouvi seu som ontem e lembrei da minha falecida Mãe” ou “Aí, gordão! Escutei um Rap seu e lembrei dum mano meu que tava desanimadão com a vida e tal”. Eu queria (e continuo querendo) passar autoestima pra pessoas e é isso que o público pode esperar de cada uma das 9 letras minhas que estão no novo disco do Filosofia. A nossa intenção é que o CD esteja nas ruas antes da copa do mundo, espero que seja essa a vontade de Deus também. Já colocamos a faixa “Tudo é Possível” no Myspace, acredito que, entre janeiro/fevereiro de 2010, lançaremos um single com mais duas faixas, em 4 versões cada uma. Quando o CD chegar nas lojas, três músicas já serão conhecidas do público e ainda terão nove inéditas, porque além das nove que eu escrevi, o Braiam colocou quatro dele no disco. Na moral mano cada letra que eu faço é tipo um filho que nasceu ta ligado? Eu penso: Qual vai ser a reação das minas quando ouvirem tal frase? Penso nos manos quando ouvirem a rima que fala de tal assunto. É loko, são meus medos, meus traumas, minha opiniões, minha perspectivas, nossos sonhos que estão no CD mano, tem que ter sentimento, tem que ser especial, eu duvido que alguém grava um álbum de inéditas e não quer que ninguém escute ou se identifique com suas rimas. Minha filha já canta vários refrões das musicas novas, com um sorriso no rosto, pras coleguinhas da escola dela (risos).
CHH: Em Meados de 2003 você saiu do Filosofia de Rua, passou pelo Alternativa C e, depois, fundou o Somdobem, ambos do gênero gospel. Por que entrou no gospel e porque voltou pro secular?
Ugli C.I: Está preparado pra polêmica? (risos) Vamos lá... Eu saí do Filosofia em 2001. Entrei no Alternativa C no mesmo ano, por intermédio do MC Dom, que foi convidado por mim a ser do Filosofia. Vixiiiii, que loko!! (risos). Vai vendo a fita: quando eu entrei no Alternativa C, eu tava no primeiro amor, algo que faz todo crente se revoltar contra o mundo (quem já se converteu, sabe do que eu estou falando), começamos a fazer vigilias shows em várias localidades. Estava tudo fluindo bem, até que gravamos o CD "Por Que a Cor Incomoda", pela gravadora Bompastor. Com o CD na ruas, começamos a circular entre os "artistas gospel". Eu comecei a perceber que a sede pelo sucesso era a mesma do mundão, quem sabe até mais voraz. Eu vi dono de gravadora gospel sugerindo -"Ó, vocês fazem umas fotos pra capa do CD sorrindo pra gente vender nas igrejas e outra levando uma com cara de mal pra nós vendermos no mundão". Foi difícil pra mim, mano.
Eu vi manos brigando com pastores, literalmente. Brigando com palavras ríspidas por causa de horário de apresentação, igualzinho nos shows do mundão. Eu vi manos falando pro pastor que, enquanto não visse o cheque assinado e endossado em seu nome, não subiria no palco pra abençoar os irmãozinhos com suas músicas. Eu vi manos pedindo uma caixa de som da igreja como garantia, caso a oferta (um apelo que os pastores fazem nas igrejas para abençoar os músicos/levitas) não desse pra pagar o transporte que alugaram pra ir até o local do show, entre outras fitas que não tenho nem coragem de descrever truta. Não é medo não, porque aqui é a rua como ela é e nada mais, se você quer guerra firmeza, eu vou guerrear, mas se quer paz eu quero em dobro. Morô mano? Posso até estar sendo duro, porque existem pessoas sérias no Hip-Hop evangélico e na música gospel em geral, mas estou sendo real com meu público, com meus princípios e principalmente com Deus. A vida é loca mesmo e não existe meio certo nem meio errado, ou é ou não é, eu sou crente. O DJ Man, quando se converteu me falou que viu as mesmas coisas que eu, por isso que eu saí do Alternativa C, que é um grupo que eu curto, sou amigo do MC Dom desde minha infância, mas pra ser do jeito que eu vi que era, eu prefiro a rua, que pelo menos não tem ninguém brincando de ser crente. Aí eu montei o Somdobem, pra fazer exatamente o que vai fazer o Filosofia de Rua, só não imaginei que Deus permitisse a volta do Filosofia, ou seja ir pra rua, pra favela, pras vielas, pros becos escuros, pras bocadas, pros quilombos,pras encruzilhadas, pro mundão e, no meio do show, que com certeza vai estar lotado de mano que não aceitou Jesus ainda. Vamos testemunhar e glorificar o nome Jesus. As minhas letras que estão no CD novo do Filosofia são as mesmas que sairiam no CD do Somdobem.
CHH: Uma das características da seção "Estação Mendonça" é este espaço, onde você pode falar aquilo que nunca falou antes, mandar um salve, um protesto, etc. Aproveite bem a oportunidade!
Ugli C.I: Sente só, eu nunca falei numa entrevista que eu amo o Canhoto, o Man e o Braiam e que todo dia eu dou glorias a Deus pela vida deles, eu dobro meus joelhos no chão e agradeço a Deus por ter colocado esses três manos na minha vida desde o comecinho da minha adolescência, tipo quando eu tinha uns 15 pra 16 anos, pois nós amadurecemos juntos, nós viramos homens juntos, a gente passou varias fitas locas juntos, desde alegrias dos shows pelo Brasil, pelos CDs gravados, pelas músicas tocadas nas rádios, pela identificação de vários manos com nosso som, até as tristezas de enterrar alguns saudosos amigos e, também, pelo tempo que ficamos afastados uns dos outros. Central Hip-Hop, parabéns por proporcionarem igualdade de condições ao conhecimento para todos, Deus abençoe cada um de vocês grandemente e que os anjos do Senhor estejam ao seu lado protegendo seu ir e vir de todo mal e de todo perigo em nome de Jesus. Deus abençoe a todos!
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