quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Coletivo Entrevista: OGI - Além das Crônicas da Cidade Cinza - Publicado no Portal MTV em 12/12/09

Ícone das artes urbanas, ele já fez Throw Up (graffiti inspirado em letras rápidas), tem pichações por toda a capital paulista e acabou por se tornar um dos mais conhecidos rappers da cena alternativa ao participar junto a Mascote, Dejavú, Munhoz, Dj Big Eddy e Dj Willian do grupo Contra Fluxo. Ao fim de 2009 Ogi lança via internet o single “Premonição” que tem destaque entre o público na rede com uma lírica característica, tornando o disco solo de Ogi um dos mais esperados para 2010.

RM: Ogi, você teve inicio no rap bem no começo da década de 2000 e está finalizando a mesma década com o primeiro disco solo, nesses quase 10 anos o que mudou na sua vida e qual a principal diferença entre o Rodrigo e o Ogi?

OGI: Eu comecei a fazer rimas em 94, mas sem compromisso. Eu tinha um grupo com o Dj Big Edy, ele era MC. O grupo se chamava R.E.D, a sigla queria dizer: Rodrigo, Edy e Djalma, depois mudou para Raciocínio, Educação e Dignidade. Na época eu pirava muito em Rap, mas não achava que isso iria a algum lugar. Na mesma época, no bairro onde eu morava, existiam algumas gangues de pichação, então eu resolvi deixar o Rap e partir para esse caminho.
Os Racionais sempre foram unanimidade, mas por volta de 2001 eu escutei um som chamado “Sétimo volume da enciclopédia letra H”, quando ouvi o verso do Espião e o do Parteum eu pirei. Resolvi voltar a escrever umas rimas, pois o que eles diziam eram coisas que eu me identificava muito. Conheci o Mascote em 2002, através da pichação, conheci o Dejavu por amigos em comum. Eu tinha um projeto de rimas com o Mascote, um projeto a parte e com o Dejavu formei o Contra Fluxo, que além de mim e do Dejavu, tinha o Cygilo como integrante. O Cygilo resolveu seguir o caminho do Graffiti e não continuou rimando conosco, então decidimos convidar o Mascote.

O Big Edy já colava, ele conhecia o Dj Willian e o trouxe para nossa equipe e assim o Contra Fluxo estava formado. Nosso primeiro show foi no projeto “Do micro aos fones”, em 2004, aquilo foi um sonho. Nós dividimos o palco com grupos que éramos fãs. No mesmo ano fomos até o Munhoz e começamos o processo do primeiro disco do Contra Fluxo. O Munhoz produzia os beats, nós escolhíamos e assim o disco era feito. Nessa época eu conheci o Dj Caíque, ele contribui com alguns beats e o time de produtores foi finalizado. Levamos cerca de um ano e meio aproximadamente para concluirmos o processo. No final de 2005 “Missões e Planos” ganhava as ruas e o Contra Fluxo começava a colocar seu nome na cena. Continuamos na correria, fazendo um show aqui, outro ali. Fizemos um show no Indie Hip Hop de 2005 junto com o Munhoz e já estávamos fazendo alguns sons em parceria. Ele participava de músicas nossas e nós participávamos em músicas dele. Por ter se identificado e acreditado no Contra Fluxo, o Munhoz vestiu a camisa, o que antes era Contra Fluxo e Munhoz ou vice e versa, passou a ser um só. Ganhamos um integrante de peso.

Após dois anos, algumas músicas em coletâneas e com um integrante a mais, lançamos o segundo disco do Contra Fluxo intitulado SuperAção, um disco duplo e feito de forma independente, com vários Beatmakers e muitas participações. São sete anos correndo de verdade pelo Rap, nesse tempo eu amadureci como MC, participei de coletâneas, contribui com minhas rimas em músicas de outros artistas, fiz alguns shows pelo Brasil e continuo estudando a arte de rimar, sem descanso.

O Rap me dá lições que eu aplico na vida, é um exercício de tolerância. É amor e negócio, é trabalho, perseverança e disciplina. Você tem que amar demais se não você pula fora, tem que estudar demais para que suas rimas ou beats evoluam e tem que ser um bom negociante para que o seu trabalho lhe traga sustento.Através do que o Rodrigo vive, o Ogi escreve. O Rodrigo é a fonte, é o livro que o Ogi lê e com uma pitada de loucura ele transforma em rima.

Através do que o Rodrigo vive, o Ogi escreve. O Rodrigo é a fonte, é o livro que o Ogi lê e com uma pitada de loucura ele transforma em rima.


RM: Alguns artistas saem dos seus grupos para gravar álbum solo, no seu caso qual a razão para esse acontecimento e devem vir mais álbuns dos outros integrantes do Contra Fluxo em breve?

OGI: O Contra Fluxo continua firme e forte. Ano que vem iremos dar início ao processo de produção do terceiro disco. Eu tive vontade de fazer um disco sozinho, senti necessidade de contar um pouco das coisas que vivi, as minhas verdades. No Contra Fluxo são seis cabeças pensantes, no meu disco sou só eu e isso me da total liberdade. O Mascote acabou de lançar uma mixtape junto do pessoal do Studio Kasa, o Munhoz está sempre produzindo e continua no corre com o Mamelo Sound Sistem, o Edy está colocando muitos projetos em prática, um deles é o Hip Hop Dj do qual ele faz parte na organização. Dejavu e Dj Willian estão focados no próximo disco do Contra Fluxo.

RM: Nota-se que São Paulo é o cenário da música “Premonição” as músicas do disco possuem esse teor de metrópole?

OGI: Sim, eu nasci aqui, amo essa cidade. Amo o caos, o concreto. São Paulo assusta as pessoas que não a conhecem, realmente é uma cidade cheia de surpresas. É gigante, impiedosa, perigosa e muito atraente. Eu tenho amigos que saíram daqui, foram morar em outros estados, ou no interior. Eles não aguentaram o peso, precisavam de uma vida mais tranquila. Eu não, eu sou filho do caos. Já me imaginei vivendo em outro lugar, mas não passou de imagem. Baseado nessa imensa cidade é que eu decidi fazer o meu disco. Nas alegrias e no sofrimento do cotidiano dos que vivem o caos da metrópole, é isso, essa é a temática do meu disco.

RM: Por falar em “Premonição” fale um pouco sobre essa música, qual foi sua inspiração para compor a letra?

OGI: Como eu disse antes, eu pichava. Eu tinha amigos que gostavam de roubar, outros gostavam de usar drogas e poucos gostavam de estudar. Minha finada mãe percebeu isso e fez das tripas coração para me mostrar uma nova visão de mundo. Ela me colocou em um colégio particular por alguns anos e ali eu tive uma boa base de ensino. Com doze anos eu estudava no particular, mas os meus amigos mesmo, eram os caras do meu bairro. Eu chegava do colégio e ficava a tarde inteira com eles. Eles eram mais ligeiros do que eu, no sentido da vivência nas ruas. Tinha moleque que naquela época já fumava um baseado, uns faziam furtos e eu via tudo aquilo, mas sempre que era tentado, lembrava da minha mãe. Era só eu e ela, meu pai faleceu cedo e eu sou filho único. Nos passeios que fazia com a minha mãe, eu reparava em uns rabiscos no muro, ficava maluco com aquilo. Não entendia, mas aquilo me instigava. “Como será que ele fez isso? Será que foi a luz do dia?” Eu me perguntava.

Como eu nunca tive tino para roubar e conhecia pessoas com péssimas experiências no mundo das drogas, eu decidi pichar muros. Eu queria fazer alguma coisa ilegal, queria ser igual aos caras do meu bairro, mas de outra maneira. Em 1995 eu comecei a pichar, senti aquela adrenalina, me senti vivo, importante. Cada vez que via meu nome nos muros, eu me sentia realizado. Eu não precisava roubar, nem usar drogas. Eu tinha descoberto uma maneira de ter adrenalina, de protestar.

A pichação me ensinou a malandragem das ruas. Nesse período eu descabelei, saía quase toda madrugada, andava por São Paulo inteiro rabiscando muros. É uma maneira meio torta de não se envolver no crime, pichação é crime. Mas as estatísticas de quem se deu mal roubando, são muito maiores do que as de quem se deu mal pichando. Pichando você nunca ia preso, só tomava umas porradas da policia e de vez em nunca um processo. Mas era raro alguém ser processado, ou você era surrado pela policia, ou era pintado, às vezes surrado e pintado, mas nada além disso.

Em Premonição eu decidi relatar o sentimento de indecisão, aquele sentimento de vou ou não vou. Sentir adrenalina, marcar mais algumas áreas ou ficar sossegado em casa? Tomar surra se for pego ou dormir tranquilo? Aquela voz que te diz para ir e a outra dizendo para ficar. O desfecho vem no próximo som, intitulado Noite Fria.

RM: Ogi, qual a previsão para lançamento do disco? Já tem título esse álbum?

OGI: Está previsto pra março de 2010, se tudo correr bem. O disco irá se chamar Crônicas da Cidade Cinza.

RM: Para finalizar, em nome do Coletivo eu gostaria de ceder este espaço onde você pode falar o que quiser, como mandar uma mensagem, um salve, um protesto, enfim, aproveite bem este espaço, o Coletivo agradece sua participação em nosso blog!

OGI: Eu deixo um salve para os meus parceiros de Contra Fluxo, Família 360 Graus, Rodrigo Brandão, Espião, Elo da Corrente, Rick, Dario, Nairobi, Nave. Salve Terra de Saddan! E um especial para minha namorada Deborah.

Vamos trabalhar. Esqueçam o recalque, trabalhem para que seus trabalhos sejam notados de forma correta. O Rap ta vivo, nós somos o Rap!

Até a próxima!


Fotos por Kadu Doy

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